Conheci a Manu em 2021, quando estávamos ambas dando nossos primeiros passos na carreira artística. Ela em Caraguatatuba, no litoral de São Paulo; e eu na Grande São Paulo. Foi durante a pandemia, em tempos de isolamento e conexões virtuais, que nossas trajetórias se cruzaram. O que começou com dúvidas sobre o mercado da arte, trocadas por mensagens nas redes sociais, rapidamente se transformou em uma grande amizade, atravessada por conversas diárias, videochamadas mostrando nossos processos de pintura, áudios longos e reflexões sobre vida e criação.
Mesmo à distância, construímos um espaço de escuta e partilha que nos acompanhou até o dia em que, finalmente, nos encontramos pessoalmente e pudemos ver nossas obras ao vivo, lado a lado, em exposições coletivas que hoje guardo com carinho. Ver as pinturas de Navas de perto foi como ouvir uma música que eu já conhecia de algum lugar. Há algo em sua obra que ultrapassa o campo visual. Suas cenas cotidianas, silenciosas e íntimas, despertam em mim não apenas memórias, mas também sensações físicas, como se suas pinturas houvessem canções contidas.
Talita Zaragoza, Untitled Memory I, 2023. Acrylic, colored crayon, pencil, and graphite on linen, 39.5 x 35.5 inches. Courtesy of the artist.
Manu trabalha principalmente com tinta a óleo sobre tela, explorando com sensibilidade a materialidade do suporte. Assim como eu, ela é uma artista autodidata. E, é visível o quanto há de dedicação e estudo por trás de cada pintura. Seu domínio técnico permite uma construção cuidadosa da luz, da sombra e dos movimentos, em camadas que preservam a leveza da imagem sem perder profundidade. A escolha por paletas reduzidas e tons suaves reforça o caráter contemplativo de sua obra. Em muitos de seus trabalhos, vejo a presença de espaços domésticos que se tornam lugares de pausa e silêncio. Em outros, o que surge é a celebração: festas e encontros que, em sua pintura, ganham significados como formas de resistência às dificuldades cruzadas nas vidas de pessoas negras.
Talita Zaragoza, Untitled Memory I, 2023. Acrylic, colored crayon, pencil, and graphite on linen, 39.5 x 35.5 inches. Courtesy of the artist.
Talita Zaragoza, Untitled Memory I, 2023. Acrylic, colored crayon, pencil, and graphite on linen, 39.5 x 35.5 inches. Courtesy of the artist.
Há também uma camada visual muito consciente em sua pintura: Manuela tem um olhar fortemente influenciado pela fotografia e pelo cinema. Isso se revela na maneira como compõe os ângulos, os enquadramentos e os cortes da cena. Muitas vezes, a perspectiva é levemente deslocada: como se a imagem tivesse sido capturada no intervalo de um gesto, de um movimento contido. Esses enquadramentos revelam sentimentos que vão além da imagem. Há algo de imagem congelada em suas pinturas: uma sugestão de continuidade fora da moldura, como se aquela cena pertencesse a uma narrativa maior, silenciosa e profunda.
Essa sensibilidade cinematográfica não se traduz apenas na forma, mas também revela seu olhar poético sobre a vida cotidiana: um olhar atento aos detalhes que, por vezes, passam despercebidos.
Talita Zaragoza, Fish Factory Residency, September 2019, Iceland. Photo: Leandro Viana. Courtesy of the artist.
Talita Zaragoza, Untitled Memory IV, 2024. Acrylic and colored crayon on linen, 36 x 55 inches. Courtesy of the artist.
Falar sobre sua obra é, para mim, falar também da força dos encontros. Do quanto a arte pode ser ponte, abrigo e linguagem. A pintura de Manuela me toca porque carrega aquilo que reconheço como essencial: coletividade, afeto, tempo, silêncio e resistência.
Talita Zaragoza, Fragment XIV, 2020. Acrylic on linen, 27 x 19 inches. Courtesy of the artist.
Larissa de Souza (São Paulo – 1995), artista autodidata, em sua pintura majoritariamente figurativa, concentra-se na imagem da mulher afro diaspórica em seu universo particular e coletivo. Carrega a história das mulheres de sua linhagem e a força de muitas outras. Em 2016, começou a trabalhar em uma loja de materiais artísticos, onde aprendeu mais profundamente sobre aspectos específicos de cada tipo de material e técnicas diversas. Logo depois, passou a trabalhar como assistente no ateliê da mesma loja. Desde a infância interessava-se pelo desenho e encantava-se com os grafites da cidade de São Paulo. Foi durante a pandemia de 2020 que teve a oportunidade de dedicar-se a produzir seus próprios trabalhos.
To know more about Larissa de Souza: @azuoslarissa
Left: Talita Zaragoza, Untitled Memory III, 2024. Acrylic, colored crayon, and graphite on linen, 38 x 31 inches.
Right: Talita Zaragoza in her grandfather’s studio, São Paulo, 2021. Courtesy of the artist.
Autodidata, Manu Navas [1996- Jundiaí/SP] tem como fazer artístico fundamentado entre técnicas de pintura, fotografia e xilogravura, cujas temáticas principais são os corpos negros, o feminino e o maternar, seja em retratos ou cenas cotidianas, sendo os indivíduos afro diaspóricos, a existência como mulher e a reflexão nos entornos da maternidade, a base do seu trabalho, a partir de um olhar decolonial e afetivo. A artista busca a reflexão sobre a realidade que rodeia o povo brasileiro, da qual a mesma faz parte, como um exercício de pensar a própria existência, pensando do material para o metafísico, permeando assim as singularidades dentre o viver coletivo como mãe negra. Manuela integra grandes coleções e participa/ou de exposições dentro e fora do território nacional, como sua exposição individual “O concreto que evapora (Bacorejo, RJ, 2022), e sua individual na Itália “Lembranças inventadas” (Monti8, Italia, 2022), além das exposições “Alguma versão do que aconteceu” (Casa Bicho, RJ, 2022), “Dos Brasis – Arte e pensamento negro” (Sesc Belenzinho, 2023), Funk: um grito de ousadia e liberdade (Museu de Arte do Rio, 2023), ELEMENTS (UUU Art Collective, NY, 2022), “Ah eu amo as mulheres brasileiras”(Centro Cultural de São Paulo, 2023), dentre outras exposições e feiras de arte. Em 2022, participou do festival de arte urbana NaLata, pintando uma empena no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Recentemente fez parte da ocupação IBORU, de Marcelo D2, nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador e tem as suas obras como parte do cenário da turne Zeca Pagodinho, 40 Anos.
Manu vive e trabalha no Rio de Janeiro.
Conheça Manu Navas: @navas_manuela
Talita Zaragoza,Silhouette 2, 2002. Acrylic, colored crayon, colored pencil, and graphite on linen, 30 x 48 inches. Courtesy of the artist.