Para este exercício, vamos considerar que um corpo de trabalhos pode ativar um espaço e estabelecer relações, quem sabe narrativas, entre si e com uma audiência. No espaço, cada trabalho e suas relações, aliados aos repertórios individuais do artista e do visitante já são variáveis dinâmicas inter-relacionadas livremente que podem levar a infinitas experiências. Se a boa arte é aberta e processual, o mesmo pode estender-se às práticas curatoriais. Por outro lado, a tentativa de condução do outro a um resultado não faz parte das boas práticas artísticas. Para um projeto seguir uma metodologia processual, curadores, artistas, designers, iluminadores e preparadores colaboram trazendo camadas sutis de linguagens a exposições que serão percebidas de forma singular pelos visitantes.
O espaço onde se coloca arte não é neutro, mesmo quando vazio. A arquitetura, escala e proporções, assim como materiais que compõem sua parede, chão, teto e mobiliário, assim como a história e memórias daquele lugar, proporcionam contexto para o estabelecimento de relações espaciais entre obra e visitante. A geometria espacial, em conversa com as linhas invisíveis propostas pela linguagem curatorial, apresenta aspectos essenciais para a concepção, montagem e apresentação de um corpo de trabalhos de arte visual. Lembro que linhas não são necessariamente retas.
“Uma casa que foi experimentada não é uma caixa inerte. O espaço habitado transcende o espaço geométrico”
Gaston Bachelard – The Poetics of Space
A subjetividade humana e a visão de mundo varia de acordo com valores individuais e comunitários, provenientes de religião, nível de educação, experiência em diversas realidades sócio-econômicas e/ou culturais, entre outras variáveis. Um exemplo útil seria pensar em um grupo de trabalhos sob o ponto de vista das ciências sociais e seu pensamento mitológico e comparar esta visão à perspectiva evolutiva e funcional da antropologia. Não haveria consenso. Adicionamos a isso ideias da física e pensamentos matemáticos e fica fácil entender que cada indivíduo entra no mesmo espaço, mas experimenta de forma diferente o mundo ao seu redor.
Por outro lado, há informações que podem oferecer contexto enriquecedor ao visitante, quando da experiência da arte. Especialmente em obras contemporâneas, onde a forma não se separa do processo que a8s criou. Estas informações, assim como aquelas sobre técnica e materiais, podem confirmar, negar e apoiar o entendimento do visitante, influenciando a experiência sensorial.
O entendimento das condições de criação de um trabalho também pode promover e expandir a experiência poética. Informar se um trabalho foi concebido para um determinado espaço expositivo ou se foi desenvolvido em atelier em certo período histórico, como os anos da ditadura brasileira ou em determinado período da vida do artista, como por exemplo os anos que ele passou em exílio, informam algo ao visitante que pode ativar sua imaginação e percepção.
Mas quando usar a palavra é de fato necessário no espaço expositivo? As ideias que queremos trocar com o visitante devem ser definidas por substantivos, verbos, adjetivos ou por palavras encadeadas em frases, mais complexas e definidas? E será esta conversa estabelecida entre curador e visitante ou entre artista e visitante, mediada pelo curador? Talvez uma outra pessoa fosse mais indicada para a tarefa, como um pesquisador em área correlata ou mesmo um familiar ou amigo. E qual o suporte apropriado para a aplicação da palavra escrita?
Assim como as ideias e sentimentos do artista podem ser melhor expressas pela escolha de técnicas e materiais, o suporte para comunicação também influencia a experiência. A escolha do material, a tipografia e tamanho da fonte e posicionamento da escrita no espaço, são alguns dos aspectos a serem considerados na prática curatorial. As ideias que estas palavras comunicam são temporais, fugidias ou factuais, estabelecidas? Talvez sua temporalidade possa ser critério importante para a escolha da superfície onde se quer apresentá-las. Quem sabe uma projeção? Ou impressão em papel? Em que tipo de papel? Se impressas, poderão ser levadas pelo visitante? Ou um QR code seria mais adequado?
“Agora um participante, e não mais um suporte passivo para a arte, a parede tornou-se o locus de ideologias conflitantes; e cada novo desenvolvimento teve que vir equipado com uma atitude em relação a ela. Uma vez que a parede se tornou uma força estética, passou a modificar tudo o que nela era mostrado”.
Brian O’Doherty – Inside the White Cube
As artes visuais enfrentam limites tanto na forma como na apresentação. De maneira análoga, a palavra escrita não se resolve em si mesma. Visitamos exposições de arte, na esperança do encontro com a criatividade, com o intangível. A força do uso da palavra escrita parece estar no apoio e ampliação da busca desta experiência.
Lu Solano é curadora independente baseadano Brooklyn, Nova Iorque. Seus projetos tem foco na interseçāo entre arte, ciencia e linguagem. Solano está particularmente interessada em exposições que ativem relações espaciais e físicas com o visitante. Sua formação e experiencia de trabalho em Ciências Biológicas e programação de sistemas de computadores, oferece uma perspectiva única para sua pratica curatorial. Lu Solano colabora por mais de 10 anos com artistas internacionais em
Para saber mais sobre Lu: @lusolano_
Imagens: Claudia Solano