Sagarika Sundaram

Podemos facilmente cair na tentação de chamar as obras de Sagarika de abstratas, e embora isso não esteja errado, após algum tempo observando esses trabalhos de perto, os elementos de sua inspiração e linguagem visual começam a se revelar. Anéis de árvores, pétalas de flores, sistemas de raízes, crescimentos de musgo e vinhas rastejantes desempenham um papel em sua linguagem visual. Estas não são paisagens naturais de forma alguma, mas sim ilusões e fantasias de elementos que Sagarika absorveu ao longo da vida e dos quais se inspirou. É a combinação desses fenômenos que faz com que as obras pareçam quase naturalmente cultivadas. A fusão desses elementos resulta em uma prática que é inconfundivelmente própria da artista, uma mistura de sinceridade e originalidade.

Paul Henkel

Meu estúdio, que eu chamo de “ o escritório de canto”, fica no Silver Arts Project no 4 World Trade Center. Com grandes janelas que se abrem para o Rio Hudson é como se eu pudesse dar um passo para fora, no céu. Uma cama no canto é meu refúgio pra leitura. Há trabalhos no chão onde estou criando e construindo minhas composições em fibra e no restante do estúdio os trabalhos estão pendurados na parede.

A maioria das pessoas do sul da Índia tem uma relação inata com tecidos de tear, pois estão presentes no dia a dia. Estou pensando nos saris da minha mãe e nos veshtis do meu pai. Usar essas roupas exige uma familiaridade com pregas e dobras de tecido. Posso imaginar minha avó lavando seu sari de nove metros em nosso apartamento em Chennai (antiga Madras). Ela dobrava o tecido com precisão e jogava-o, usando um bastão longo, sobre um varal pendurado alto e usava a mesma ferramenta para desdobrá-lo metodicamente para secar.

Eu tinha onze anos e morava em Dubai com meus pais quando fui estudar em um internato na Índia chamado Rishi Valley. Na escola, varríamos nossos pisos diariamente com uma vassoura estilo indiano e agachávamos para esfregar com um pano. Lá, lavávamos nossas roupas, meias e roupas íntimas em pedras de lavar à mão. Incorporo todo esse trabalho em minha arte. Foi em Rishi Valley que comecei a pensar em tecido como obra de arte.

Na escola, antes de entender o contexto mais amplo de sua obra, eu era obcecada por Gauguin e também pelo Grupo dos Sete do Canadá — artistas que estavam pensando em cor e movimento.

No batik*, a imagem emerge lentamente ao contrário, porque você começa bloqueando as partes brancas do tecido com cera, depois amarelo, verde, até preto — você progride gradualmente das cores claras para escuras. Com meu processo de feltragem, faço o trabalho de cabeça para baixo. Assim, crio primeiro a parte composicional do rosto e depois construo o corpo do tecido ao contrário. Gosto de segurar a composição como um quebra-cabeça na minha cabeça,  a surpresa em  feltrar e virar e depois cortar, deixando-o se revelar lentamente. Existe uma relação entre o batik e a feltragem dessa forma.

Eu coloco a lã (no chão) como se estivesse fazendo um esboço — entrelaço a lã sobrepondo-a para formar uma malha, uma membrana conectada forte. No batik, especificamente no estilo que eu praticava, as pinceladas de cera são uma forma de marcação.

Essa é a relação entre os dois: o gesto e também a cor. Na escola, era complicado para o nosso professor, Manoranjan Sir, nos explicar o tingimento. Então ele misturava corantes e nós pintávamos. Hoje em dia, eu mesma faço minhas formulações. Muitas vezes você está olhando para uma cor que não será a tonalidade final, porque ela precisa ser tratada com outra solução para a verdadeira tonalidade se destacar. Há também uma sensação de transformação conforme eu coloco as fibras para fazer o feltro – há uma alquimia nisso. Ela muda em sua forma final. E depois há a relação entre líquido e fibra quando eu molho a lã. Eu esfrego, enrolo e esfrego repetidamente.

Meu interesse em cozinhar me ajudou a aprender como tingir seguindo uma receita, reescrevendo-a passo a passo. Digo aos meus alunos na Pratt: “Se você gosta de cozinhar, será um bom tintureiro. Se gosta de tingir, se tornará um cozinheiro melhor.” E ao molhar a lã — é cabelo de ovelha, não é? — você precisa deixá-la realmente impregnar as fibras. Eu consigo sentir apertar sob meus dedos conforme ela feltra, parece viva.

Além disso, é muito intensivo esse processo. Preciso entender a física da fibra, a química da cor. Nesse sentido, meu trabalho é essencialmente um projeto de pesquisa, começando com uma pergunta. E então aquela resposta leva a outra pergunta.

Alguém me disse em uma entrevista: Como você se sente trabalhando com materiais tão humildes? E eu pensei, estes não são materiais humildes! São de alta qualidade. Vêm de ovelhas e são renováveis, são como joias. No meu estúdio, sinto como se estivesse cercada por rubis e esmeraldas, tesouros da terra. É difícil fazer algo desinteressante quando o ponto de partida é tão rico. Gosto da palavra terroir — assim como o vinho, a lã é influenciada pelo solo em que a ovelha pasta, pelos níveis de umidade. Seu habitat lhe dá perfume e sabor.

Minha rede de fornecedores de lã está em constante mudança e expansão. Cada variedade de lã tem sua própria textura o que contribui para uma caligrafia única no trabalho. Há uma beleza em trabalhar com material desde a sua fonte. Se você realmente prestar atenção enquanto trabalha, naturalmente se pergunta como o material chegou ao seu estado atual e como era antes, de onde veio. Mesmo com a tintura, qual é a formulação química? Qual impacto ela tem em sua vida útil? Tenho muita sensibilidade  para a origem das coisas.

Este testemunho da artista é um segmento da discussão envolvendo Sagarika, Andrew Gardner, Bahauddin Dagar e Vyjayanthi Rao para o catálogo que criamos coletivamente para a sua exposição na Palo Gallery em 2023.

Para saber mais sobre Sagarika: https://www.sagarikasundaram.com/ / @ohsagarika

Fotos: Anita Goes

*Batik: a method (originally used in Java) of producing colored designs on textiles by dyeing them, having first applied wax to the parts to be left undyed. 

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