Nascido em Nova Jersey (EUA), Clemence cresceu em Niterói, cidade vizinha do Rio de Janeiro. Após se formar em arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, retorna aos Estados Unidos, estabelecendo-se em Miami Beach, na Flórida, como fotógrafo, na busca da beleza no espaço e no tempo, seja a partir de um detalhe ou de um momento ideal. Sua fotografia não é um mero registro documental, que rouba um pedaço do mundo ou atesta acontecimentos, mas uma imagem reveladora de sentidos e relações que capturam ângulos inusitados que completam e modificam o olhar comum, na grandeza de cada recorte, dos contrastes e das cores que convertem singelas particularidades em grandes monumentos. Com um olhar abrangente seu trabalho foge do estereótipo e do previsível, proporcionando novas perspectivas da realidade, usando para isso a luz e a abstração.
Paul Clemence, MiMo Balconies, Fotografia, dimensões variadas. Miami Beach, FL. Cortesia do artista.
No período vivido em Miami Beach, Clemence recebe dois prêmios consecutivos do The Miami Chapter of American Institute of Architectes e publica seu primeiro livro: South Beach Architectural Photographs, uma viagem visual impressionante pela região apresentando os hotéis emblemáticos da cidade, edifícios residenciais e paisagens urbanas deslumbrantes que reúne alguns dos edifícios Art Deco mais icônicos do planeta. As fotografias, em preto e branco, capturam o drama da luz solar em formas geométricas e nos relacionam com o poder da arquitetura.
Essa época contribuiu para o refinamento e o aprimoramento do olhar de Clemence que passa a usar a arquitetura quase como uma desculpa para demonstrar sua paixão pela incidência da luz sobre o espaço urbano. Essa preocupação transparece nas páginas de seu próximo livro Mies van der Rohe’s Farnsworth House: um admirável ensaio fotográfico sobre um dos mais proeminentes projetos residenciais do arquiteto moderno alemão Mies van der Rohe (Alemanha, 1886 – EUA, 1969), um must have para os apaixonados por arquitetura, design, modernismo, Bauhaus, Mies van der Rohe e fotografia. Parte desses registros integra o acervo de Mies van der Rohe no Museu de Arte Moderna/ MoMA, em Nova York.
Imagem à esquerda: Paul Clemence, Delano, 2020. Fotografia com filme infra-vermelho, dimensões variadas. Miami Beach, FL. Imagem à direita: Paul Clemence, South Beach Composition, 1991. Fotografia, dimensões variadas. Miami Beach, FL. Cortesia do artista.
Este é o início de uma trajetória que consolida definitivamente a obra fotográfica de Clemence que também pode ser encontrada em inúmeras publicações de grande prestígio como Gagosian Quarterly, Metropolis, ArchDaily, Architizer, Casa Vogue Brasil, Modern Magazine, Wallpaper Magazine, Dwell, Interior Design, Archinect, Designboom, The Design Edit, Elle Decor Italia, Architects & Artisans, Everett Potter’s Travel Report, GoNomad, BBC Travel e Aishti, além de outros livros publicados como Here/After: Structures in Time esse último, em parceria com Robert Landon, escritor perito em viagens.
Em 2020, em meio ao lockdown total adotado por vários países para conter a propagação da pandemia, Clemence homenageia a capital do Brasil, Brasília, postando online o ensaio fotográfico sobre os edifícios mais emblemáticos desta cidade, planejados por Oscar Niemeyer (Brasil, 1907-2012), considerado uma das figuras-chave no desenvolvimento da arquitetura moderna. No mesmo período, um díptico dessa mesma série foi exibido no Consulado do Brasil em Nova York. Em 2022, Clemence retorna às obras de Niemeyer e publica um ensaio especial de fotografias em preto e branco, que expressam, por meio da intensa luminosidade do planalto central brasileiro, as formas esculturais pintadas de branco criadas pelo grande artista e um dos maiores arquitetos de sua geração.
Paul Clemence, Díptico Brasília, 2018. Fotografia, dimensões variadas. Foto tirada no Museu Nacional , projeto Oscar Niemeyer, Brasília, Brasil. Cortesia do artista.
Na série Formas, Ritmo, Abstração: Museus Suíços Clemence explora os extraordinários museus suíços das cidades de Genebra, Lausanne, Basileia, Zurique e St. Gallen: verdadeiros tesouros culturais que refletem o patrimônio arquitetônico da Suíça. As imagens, minimalistas, formadas apenas por linhas e superfícies, capturam a essência desses edifícios desenhados por renomados arquitetos como Herzog & de Meuron, Mario Botta, Christ & Gantenbein, Renzo Piano, Aires Mateus, Barozzi Veiga, Shigeru Ban, David Chipperfield Architects, Graber Pulver. Ao enfatizar as linhas, as fotografias estabelecem um diálogo estético entre pausas e silêncios, destacando as geometrias únicas das fachadas. Com texturas marcantes e os belos jogos de luz, Clemence leva o observador a experimentar o espaço do quadro ao mesmo tempo que divide com o leitor aquilo que seu olhar vê. Em 2023, na ocasião da Miami Art Week / Art Basel Miami Beach, este ensaio fotográfico pode ser visto durante o evento “Le Salon Suisse”, com curadoria de Divine Bonga, da Switzerland Tourism. Além da exposição, Clemence também moderou uma palestra sobre arquitetura de museus ao lado do arquiteto Emanuel Christ, sócio da Christ & Gantenbein Architects, Andy Klemmer, presidente do Paratus Group e Donna de Salvo, curadora de projetos especiais na Dia Art Foundation.
Topo centro: Paul Clemence, Kunsthaus Zurich, arquiteto Hans and Kurt Pfister, 2017. Fotografia, dimensões variadas. Imagem à esquerda: Paul Clemence, Dissolve, 2022. Fotografia, dimensões variadas. Foto tirada no Landesmuseum, Zurique, Suíça. Arquiteto Christ & Gantenbein. Imagem à direita: Paul Clemence, Deep Light, 2022. Fotografia, dimensões variadas. Foto tirada no Photo Elysée/Mudac, Lausanne, Suíça. Arquitetos Aires Mateus. Cortesia do artista.
Ainda em diálogo com a obra de Niemeyer, uma espécie de work in progress, Clemence cria uma versão impressionista contemporânea ambientada no conjunto arquitetônico da Pampulha, patrimônio cultural tombado pela UNESCO, construído nos primeiros anos da década de 1940 e inaugurado em 1943 na cidade de Belo Horizonte (Minas Gerais). Intitulada “Miragem moderna” as fotografias retratam a Casa do Baile (atual Centro de Referência de Arquitetura, Urbanismo e Design), o Museu de Arte e a Igreja da Pampulha e utilizam a superfície da Lagoa da Pampulha para trazer uma reflexão sobre a visão vanguardista concebida pelo arquiteto, tanto de forma literal quanto metafórica. Com características abstratas, a série apresenta novas percepções sobre a arquitetura iconoclasta de Niemeyer, brincando com a noção do que é real ou simplesmente uma ilusão de ótica, seja ela conceitual ou atmosférica. As imagens quando refletidas nas águas escuras da Lagoa adquirem uma luminosidade particular. O ensaio fotográfico parece atender às necessidades de explosão do imaginário, num gesto que coloca a liberdade do fotógrafo acima da exigência exterior imposta pelo edifício retratado, um anseio de liberdade de representar livremente o fotografado. A imprecisão de contornos e as tensões empurram a imagem para fora do enquadramento, diluem a precisão das formas, sem por isso, se constituir um apagamento. A abundância das cores predomina sobre o traço ao mesmo tempo que permite compreender os desencontrados tempos da realidade que se escondem no interior da imagem verdadeira. O reflexo revela sua dimensão onírica, oculta no ver cotidiano e o cromatismo retemperado criado pelo reflexo extingue os limites entre o verdadeiro e o falso produzido pela composição resultante da impressão visual. A poesia das cores resultantes do acaso reafirma a relação estabelecida entre o artista e o inesperado.
Além das fotografias, Clemence imprimiu sua miragem em tecido voil para a exposição “Lugar imaginado, lugar vivido: 80 anos da Casa do Baile”, que teve a curadoria Guilherme Wisnik e Marina Frugoli. A obra usa uma fotografia que retrata o reflexo das colunas da Casa na Lagoa para, através da imagem em si e da transparência do suporte utilizado, estabelecer uma nova relação entre a arquitetura e as águas, entre o construído e o concreto e seu contexto líquido, entre a visão original e a experiência contemporânea, enfim, entre o espaço e o sonho.
Paul Clemence, Fiéis/Pampulha, parte da série Miragem Moderna, 2023. Fotografia, dimensões variadas. Foto tirada na Capela São Franciso de Assis, Pampulha, Brasil. Arquiteto Oscar Niemeyer. Cortesia do artista.
Paul Clemence, Miragem Moderna, 2023. Instalação Têxtil, 2.5 x 8 metros. Casa do Baile, Pampulha, Brasil. Foto: Mateus Lustosa. Cortesia do artista.
Outra série que chama a nossa atenção é “Red Interlude”, um ensaio fotográfico produzido na piscina vermelha escarlate localizada no topo do icônico Hotel Unique em São Paulo, Brasil, projetada pelo arquiteto Ruy Ohtake (Brasil, 1938-2021). Para a exposição, apresentada no Palazzo Bembo, em Veneza, em 2016, Clemence combinou uma impressão imersiva ampliada em grande escala e fixada no chão com fotografias tradicionalmente penduradas na parede. Uma instalação original onde fotógrafo brasileiro converge suas ideias conceituais à maneira vanguardista e expressiva do seu olhar para o ambiente construído. Os visitantes puderam pisar e “mergulhar” na experiência sensorial daquela piscina, lembrando-os de que ali, dentro do palácio veneziano onde a exposição acontecia, eles também estão sobre a água que fica logo abaixo do piso. Dessa forma, a instalação amplia a consciência da natureza do local onde se encontram, ao mesmo tempo que remete o visitante a um lugar distante.
Paul Clemence, Red Interlude, 2016. Vista da exposição: Palazzo Bembo, Veneza. Cortesia do artista.
Mérito de um artista que vê a fotografia como uma forma de arte. Um espaço artístico para expressar sua visão sobre a paisagem construída e sua presença subjetiva em nossas vidas. A investigação visual de Clemence reflete seu olhar sobre edifícios e cidades, através de um senso de narrativa impregnado por abordagens experimentais criando espaços para a reflexão e o pensamento. Em suas fotografias sombras, reflexos, texturas, padrões e transparências são elementos básicos para criar composições abstratas com traços e cores livres de formalismos.
O conjunto de sua obra não consiste em “documentar” a arquitetura, mas sim expressar como a percebemos e como ela nos inspira. Arquitetura, na visão do artista, não é apenas erguer edifícios, mas também uma forma de olhar para o mundo.
A luz está no centro do seu trabalho. É movimento. É a luz incontida nos limites do quadro que guia sua fotografia, em diálogo permanente com a natureza e a ilusão.
Paul Clemence, Encontro, 2024. Fotografia, dimensões variadas. Foto tirada no Bioparque Pantanal, Campo Grande, Brasil, arquiteto Ruy Ohtake. Cortesia do artista.
Marly Porto atua há mais de 20 anos no campo dos estudos e pesquisas sobre a fotografia brasileira — seus processos, práticas e teorias. É bacharel em “Arte: História, Crítica e Curadoria” pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em “Estética e História da Arte” pela Universidade de São Paulo (USP). É autora do livro Eduardo Salvatore e seu papel como articulador do fotoclubismo paulista (2018).
Marly é curadora adjunta da Coleção de Fotografia Brasileira Contemporânea da Bibliothèque nationale de France (BnF) e também fundadora do Festival Photothings de Fotografia.
Entre 2018 e 2020, desenvolveu o setor de projetos artísticos do Institut d’Éducation et des Pratiques Citoyennes (IEPC), instituição que administra 13 centros de educação infantil para crianças de 0 a 3 anos, localizados em Aubervilliers, na França.
Como palestrante, Porto participou de conferências como In Black and White: Photography, Race, and the Modern Impulse in Brazil at Midcentury, apresentada pelo Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York, em 2017, entre outras realizadas em São Paulo (Brasil), Zagreb (Croácia) e Cidade do México (México).
Para saber mais sobre Marly Porto: @porto.marly // www.portodecultura.com.br
Cortesia do artista.
Paul Clemence é artista, fotógrafo premiado, escritor e curador, cujo trabalho explora as interseções entre design, arte e arquitetura. Paul expõe no circuito internacional de artes visuais, desde clássicas impressões em preto e branco até instalações fotográficas urbanas de grande escala e linguagem contemporânea, participando de eventos como o Fuori Salone, em Milão, a ArtBasel/DesignMiami e a Bienal de Arquitetura de Veneza. Clemence vive e trabalha no Brooklyn, Nova York.
COLEÇÕES SELECIONADAS
- Mies van der Rohe Archives, pertencente ao acervo do Museu de Arte Moderna, NY
- Farnworth House Study Center, Plano, IL
- Marriott Hotels, Miami, FL
- Riha Design Group, Cleveland , OH
- Vasari Project , Miami, FL
- Young Arts Park, Hollywood, FL
- Universidade de Belas Artes, São Paulo, Brazil
- Miami Art Museum, Miami, Florida
- Brazilian Consulate General, Nova York, NY
- COLEÇÕES PRIVADAS SELECIONADAS
- Martin and Cricket Taplin, Miami Beach, FL
- Mr. David Caruso, Miami Beach, FL
- Cristiana Mascarenhas, Nova York, NY
- Francie Bishop Good, Fort Lauderdale, FL
Para saber mais sobre Paul Clemence: @photobyclemence // www.paulclemence.com
Paul Clemence, Sem título, 2024. Fotografia, dimensões variadas. Palm Springs, CA. Cortesia do artista.
Hero Image: Paul Clemence, Niemeyer Chiaroscuro, 2022. Fotografia, dimensões variadas. Shot at the Paris Communist Party Headquarters, Paris, France. Cortesia do artista.