Liana Nigri

Liana Nigri é uma artista visual cuja principal linguagem é a escultura, embora também trabalhe com desenho, fotografia, vídeo e “formAÇÕES”. Suas obras abordam a presença do corpo feminino, oferecendo uma observação íntima de marcas que revelam vestígios do tempo, vivências, contatos ou traumas. Ela dá voz ao vazio presente nas dobras da pele. Nigri é mestre em Textile Futures pela Central Saint Martins (2009) e mestre em Estudos de Arte Contemporânea pela UFF (2022). Liana investiga o conceito “Gestos de Contato: Corpo-Matéria”.

Foto: Paul Cupido

Reconheço e entendo o mundo por meio do contato direto e indireto entre o meu corpo e o entorno. As diversas materialidades me interessam, sejam elas tradicionais ou inusitadas; minha arte se faz no gesto, na gestação de formas que nascem através do corpo. 

Superfícies de interação vivas. 
Superfícies vivas de interação.

Foto: Leandro Viana

Retira-se o pedestal, cai o monumento ou  qualquer forma grandiosa de se pensar a escultura. A busca é por eternizar a memória de rastros, marcar a leveza do toque. Assim, um mapa sensorial para ser lido com os dedos, um mapa de conhecimento íntimo. 

Uma investigação das formas secretas que acontecem no entre, quase nunca visto, dos encontros, nas dobras da carne. Um impulso de curiosidade infantil que leva as mãos ao contato imediato, onde não se sabe exatamente onde se quer chegar, mas há a certeza de estar e experimentar, quase uma interrupção lógica que abre espaço ao livre brincar.

Fotos: Leandro Viana & Liana Nigri (P&B)

A impressão da memória de uma presença em plásticas diversas se torna por vezes um ato ritualístico, por outras, processual, mas nunca em vão. Sendo assim a ação de captura da forma pode ter também o teor de obra, principalmente nas séries de trabalhos mais recentes.

FormAÇÃO: a força da ação de formar.

Foto: Liana Nigri 

Foto: Leandro Viana 

Dentro da minha prática, a arte é o resultado de um desejo de encontro a partir da união do corpo com a matéria; uma intenção – nem sempre consciente – onde o gesto é materializado. A possibilidade de dar volume ao movimento, tornando-se assim um modo de registro material de uma expressão corporal. A escultura passa a ser encarada como uma ação entre corpos, da artista e do material, entendendo ambos como matéria e corpo: corpo-matéria.

Ser o material e perceber o material com um ser.

Transformada em verbo, a escultura é capaz de trazer em sua forma o ato de modelar o toque. Nessa nova gramática, a ação de esculpir se porta como protagonista e permanece impregnada no resultado formal. Um resultado que exprime o movimento dos corpos através de sua topografia, textura, marcas e fissuras. A obra é a consequência e não a finalidade. O que busco é o gesto de modelar, o ato de criar intimidade com a matéria – uma dança de corpos que chega ao ponto de se misturar com a matéria, e se transformar através dela.

Matérias em relação, e não em subordinação.

Foto: Hilnando Mendes

Em 2015 faço minha primeira residência artística “SVA – BioArt From the Laboratory to the Studio” em Nova Iorque que se torna um ponto inicial da minha trajetória nas artes. Marcada também pelo uso de matérias orgânicas para experimentações plásticas, quando começo a trabalhar com uma cultura de bactérias, leveduras e micro-organismos inofensivos intitulada biofilme (SCOBY). A pesquisa desse material celular milenar proveniente da bebida probiótica Kombucha se dá nas séries de trabalho “Lasting Leaves” e “Lasting Lives”, que investigam e expandem a capacidade do biofilme de reter memórias visuais e tácteis ao capturar texturas e formas a partir de superfícies vivas, criando uma segunda pele com traços de sua história, experiências e/ou traumas.

A partir de então, participo frequentemente de programas de residências, numa busca por um espaço-tempo de concentração e aprofundamento que pontuam o início de séries de trabalho. Em 2016 retorno à minha cidade natal, Rio de Janeiro, para a residência Despina, nos anos seguintes vou para as montanhas da Romênia, depois para as profundezas da Amazônia e para uma ecovila em Minas Gerais.

E chega então 2020, o ano pandêmico de teor quase abstrato, um ano que por vezes parece não ter acontecido, ao mesmo tempo em que se fez tão fatídico com tantas perdas concretas. É também nele que começo a percorrer os caminhos da pesquisa de um mestrado em arte contemporânea, que para ser ainda mais complexa, acontece junto a uma gravidez.

Foto: Mariel Fabris

Anuncia-se então anos de isolamento onde a única imersão possível é num corpo-casa em expansão e posteriormente numa casa-corpo viva e dependente. Os dias são enormes e as noites não descansam. Tarefas em espiral que não têm início nem fim; a manutenção da vida é o que há de mais real. Há de se inventar tempo nos dias, noites ou madrugadas, onde tento encontrar concentração entre interrupções. A produtividade está na manutenção, não há descolamento entre o fazer artístico e o viver: arte-vida.

Foto: Hilnando Mendes

Após 6 meses de meu nascimento como mãe, dou início aos primeiros esforços de resgate às experimentações plásticas. Inicia-se a série “Eterno Retorno” ainda em andamento, neste primeiro ato uma liga é criada, e com ela uma longa linha de argila circunda o corpo. Começa próxima e vai se afastando do centro, reverberando sua silhueta, dando a sensação que o limite é infinito. Este corpo, que era um, depois dois, e agora ainda não se sabe quantos, começa a ganhar um novo centro.

Os meses de vida da minha filha viraram anos, caminho junto aos seus primeiros passos, consigo romper a membrana doméstica e com frisson adolescente volto a ter um ateliê fora de casa, um teto todo meu  – referência com livro “Um teto todo seu” de Virginia Woolf -. Espaço conquistado. Mas e o tempo? O tempo foi exprimido e calculado, sem margem para elasticidade. Preciso entender a maternagem como matéria e como linguagem, já que dela não posso ou não quero escapar, preciso então me movimentar junto e me reinventar fora do eixo.

Foto: Carol Cheadiak

Ao entrar na casa coletiva onde mora meu novo ateliê, na casa coletiva (Casa de Pedra), o segundo ato dessa série de trabalho se materializa: um longo cordão de 30 metros, dessa vez feito em fibra e argila, percorre a sala, sai por uma janela, ganha os muros e volta por outra janela fechando nele mesmo:

Eterno Retorno
 
Fuga e volta
De e para um novo lugar
Num movimento espiralar infinito.

Foto: Liana Nigri

O cordão tenciona, mas não se rompe por completo. Meu desejo agora é criar um terceiro ato em rede, construído à várias mãos, que possa percorrer longas distâncias e de forma comunitária transforme esse corpo-casa-corpo em território.

Fotos: Leandro Viana 

Descubra mais sobre Liana Nigri  @liananigri// liananigri-art.com

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