Hayley Ferber sobre Maggie Puckett

Numa abordagem interdisciplinar à criação artística, Maggie Puckett combina fabricação de papel, gravura, encadernação, cerâmica, design gráfico, jardinagem urbana e preservação de sementes para explorar temas ecológicos e feministas. Puckett acredita que um enfoque holístico à arte pode ajudar a nos curar dos efeitos social e ambientalmente devastadores do colonialismo, do capitalismo, do racismo e do sexismo que falharam em proteger a diversidade, violaram as leis naturais da vida interdependente e desencadearam uma era de mudanças climáticas extremas. Em última análise, artistas socialmente engajados devem construir práticas artísticas sustentáveis e curativas.

O livro “An Illuminated Feminist Seed Bank” de Maggie Puckett e Melissa Potter.

Conheci Maggie Puckett pela primeira vez há 23 anos em nossa aula de desenho para calouros na NYU, onde fomos parceiras em uma tarefa. Desde então ela nunca deixou de me surpreender com suas obras caprichosas e provocativas que tenho acompanhado e apoiado desde então. A prática dinâmica e socialmente engajada de Maggie cresceu ao longo dos anos, passando da pintura e desenho para a gravura e livros de artista, depois para a fabricação de papel, a jardinagem urbana e, atualmente, a cerâmica. Independente do material, mídia ou técnica utilizada, a voz de Maggie é forte e consistente em toda a sua obra.

Com foco no mundo natural, onde a arte encontra a ciência, o tema de Maggie está enraizado no ecofeminismo e no Antropoceno. Maggie cresceu no sul da Califórnia, e seu interesse inicial  em Biologia Marinha influenciou a trajetória de seu trabalho por décadas. Com o tempo, sua exploração da vida marinha se expandiu para sistemas terrestres alternativos, com uma ênfase crescente nos efeitos das mudanças climáticas e no impacto humano na geologia e nos ecossistemas da Terra.

Maggie Puckett, Anthropocene Thaw.

Um exemplo desse trabalho é “Thaw”, um livro de artista inspirado no degelo do permafrost polar e construído a partir de papel de algodão contendo vegetação crua e não processada (folhas verdes, flores e sementes de abóbora, tomate, pimentão e endro). “Thaw” foi montado no outono de 2010, encharcado de água, congelado durante todo o inverno e colocado para descongelar e se biodegradar em uma caixa plástica transparente durante a primavera de 2011. Depois que o livro descongelou o suficiente, começou a mofar e brotar, ao mesmo tempo que se decompunha e crescia, usando assim processos naturais para explorar temas como perda de um estado antigo e esperança para o novo.

Dentro de sua pesquisa, Maggie começou a estudar a teoria de Carolyn Merchant, que afirma que a revolução científica permitiu tanto a exploração da natureza quanto a subjugação das mulheres; e a teoria de Silvia Federici, que argumenta que o surgimento do capitalismo na Europa moderna exigiu uma guerra genocida contra as mulheres na forma de caças às bruxas. Essas conexões entre a vigilância patriarcal e a destruição do meio ambiente formam a base do trabalho de Maggie. O estudo desses temas leva Puckett a fazer as perguntas: como os artistas podem usar sua prática para resolver problemas; o que podemos fazer para mudar as coisas?

Maggie Puckett, Five Field Demons.

Simultaneamente Maggie encontra inspiração em obras de arte medievais e religiosas, sendo algumas de suas maiores influências Heironymous Bosch, Francisco Goya e Pieter Bruegel. As representações de criaturas surreais que misturam humanos e animais de Bosch, combinadas com a exploração da moralidade versus imoralidade de Bruegel e as gravuras gráficas de Goya, são evidentes em toda a sua obra. A religião, especialmente as instituições católicas e protestantes, desempenhou um grande papel no controle das artes por meio de seu financiamento, contribuindo para a agenda patriarcal.

Maggie Puckett & Melissa Potter fazendo envelopes de sementes de papel com fibras de talo de milho cultivado em casa.

Maggie Puckett, Anthropocene, Future Under Climate Tyranny (F.U.C.T.).

Maggie explorou os temas natureza, feminismo, moralidade, censura e destruição ecológica no início por meio de suas pinturas e desenhos e, posteriormente, através de sua gravura e livros de artista na NYU sob a tutela de Carson Fox. A pós-graduação no Centro de Livros e Papel da Columbia College, em Chicago, apresentou-a à tipografia e fabricação de papel com Melissa H. Potter, com quem colaborou para desenvolver um jardim de fabricação de papel. Juntas, criaram o Seeds InService, um programa que cria jardins pedagógicos com temas ecológicos e feministas, oferece oportunidades itinerantes de fabricação de papel para a comunidade e utiliza táticas de guerrilha para disseminar informações ecológicas por meio de envelopes de sementes de seu jardim e bombas de sementes para espalhar o crescimento de plantas em espaços públicos.

Adotando uma abordagem holística, essas práticas diferentes muitas vezes convergem no trabalho de Maggie. Constrói livros de artista com papel artesanal cultivado a partir de sementes em seu jardim de fabricação de papel; molda máscaras de papel artesanal e as enterra no jardim para gerar novo crescimento; cria placas de impressão de imagens de heresia e pode reaproveitá-las para os relevos de vasos de cerâmica. Seu trabalho muitas vezes é ditado pelas ferramentas e materiais que ela tem disponíveis trabalhando em uma escala menor, quando limitada. O acesso a novas técnicas e equipamentos ao longo de seus estudos ampliou uma gama de habilidades técnicas para expressar ainda mais suas idéias. No último ano, Maggie tem frequentado aulas de cerâmica na Penguin Foot Pottery em Chicago, onde reside. Essa mudança para o trabalho tridimensional tem alimentado sua criatividade e imaginação, explorando ainda mais idéias folclóricas em torno das mudanças de estação e do início do Advent, um tempo para se preparar para as celebrações do solstício de inverno.

Imagem do canto superior esquerdo: Maggie Puckett, Pôster para o Jardim de Bruxaria e Guerra Colonial. Imagem do canto superior direito: Maggie Puckett, Batalha de Fröyhall: Bruxas de Sementes Defendendo o Banco de Sementes. Imagem abaixo: Maggie Puckett, Farmacopeia das Bruxas, Dente-de-elfo.

Maggie participou, depois da pós-graduação,  de várias residências artísticas que levaram suas práticas a novos patamares. Em 2011 participou de uma residência em Caracas, Venezuela, onde trabalhou com um grupo de artistas locais e um membro da tribo Yanomami para fazer papel que culminou em um livro inspirado na mitologia de criação dessa tribo. Em 2019, Maggie viajou para Svalbard, no Ártico, com um grupo de artistas internacionais para colocar seu livro, An Illuminated Feminist Seed Bank, e outras obras relacionadas a sementes e plantas na montanha que abriga o Global Seed Vault. E, mais recentemente, em 2022, Maggie participou de uma troca através do Women’s Studio Workshop para ir a Malmö, Suécia, e trabalhar em suas instalações de tipografia. Lá, ela utilizou placas de fotopolímero que incluíam imagens retiradas de panfletos de caça às bruxas dos séculos XV e XVI, que mostravam bruxas, cobras, morcegos e demônios juntamente com iconografia relacionada à agricultura, para criar uma coleção de livros de artista/envelopes de sementes e impressões em papel artesanal.

Em 2023, a obra “Future Under Climate Tyranny (F.U.C.T.) A 4°C Warmer World” (2011) esteve em exibição no Smith College Museum of Art. Uma colagem de papel artesanal (abacá, algodão, linho, palha de trigo, areia de praia e deserto, solo, plástico marinho, anchovas secas, camarões secos, plumas de boá, algas marinhas, plantas secas do jardim, sementes de vegetais) e pigmento, de um mapa imaginário do mundo como se as temperaturas globais subissem 4°C, invertendo a projeção Mercator tradicional para desorientar o espectador. Como parte da coleção permanente do museu, esta obra está disponível para ser vista mediante solicitação.

Maggie Puckett em Residencia em Caracas, 2011.

Maggie Puckett, Anthropocene, Future Under Climate Tyranny (F.U.C.T.).

Uma artista dinâmica e versátil no  uso de materiais, explora não apenas a expressão pessoal mas também a reflexão social e a defesa ambiental. O trabalho de Maggie ressoa com a compreensão de que estruturas patriarcais não apenas subjugam as mulheres mas também contribuem significativamente para a degradação do nosso ambiente. Seu trabalho destaca a relação cíclica entre a exploração tanto das mulheres quanto da natureza, perpetuando um ciclo prejudicial de controle, supressão e degradação, uma representação vívida das narrativas sociais.

Hayley Ferber é uma facilitadora de artes contemporâneas, curadora, educadora e artista que vive no Brooklyn, NY. Em sua função atual como Diretora de Operações no The Clemente Soto Vélez Cultural & Educational Center e no cargo anterior de Diretora Adjunta da Chashama, apoia uma comunidade criativa de artistas multidisciplinares. De forma independente, curou exposições para o The Clemente Center, Residency Unlimited, Equity Gallery, New York Artists Circle, Robert Berry Gallery e the Yard: Williamsburg, entre outros. Como curadora visitante, Hayley trabalhou com artistas da Residency Unlimited, ISCP, NARS Foundation, Kunstraum LLC e ChaNorth, e atuou como jurada convidada para NYSCA, DCLA, Brooklyn Arts Council e Queens Council on the Arts. A prática artística pessoal de Hayley explora temas náuticos por meio de livros de artista e gravuras. Ela exibiu seu trabalho no Kalamazoo Book Art Center, Equity Gallery, Chashama, Pelham Art Center, 440 Gallery, 92NY e Aqua Art Miami, entre outros. Hayley adora compartilhar suas paixões e práticas artísticas com seus alunos e ministrou oficinas para o Swiss Institute, Lower Manhattan Cultural Council, Brooklyn Public Library, Pelham Art Center e Gallery North. Ela foi artista residente na ChaNorth em 2021 e obteve seu MAT em Educação em Arte e Design na RISD e seu BS em Arte de Estúdio na NYU.

Para saber mais sobre Hayley Ferber: www.hayleyferber.com / @hayleyferber

Maggie Puckett e seu time,  Depósito de Sementes do Ártico de Svalbard, 2019, Svalbard.

Em 2022, Puckett foi artista residente no KKV Grafik Studio e Sculpture Workshop Monumental em Malmö, Suécia, onde produziu sua obra “Ecofeminist Seed Library: Resisting Patriarchy and Climate Collapse through Art and Ecological Biodiversity”. Como parte da Exposição Agri/Cultures. Seed-Links de 2019: Conserving Cultural Connections with Seeds, uma coleção de obras de seu projeto colaborativo Seeds InService foi enterrada em uma montanha congelada no Círculo Ártico, ao lado do Global Seed Vault em Svalbard, Noruega. Seeds InService recebeu uma bolsa MAKER da Chicago Artists Coalition e Other People’s Pixels, e uma bolsa correspondente com 3Arts Projects. Em uma residência de um mês em Caracas, Venezuela, Puckett colaborou com artistas locais e um membro da tribo Yanomami, fazendo papel a partir de fibras locais e uma edição de livros de artista sobre um mito de criação Yanomami.

Puckett expôs amplamente, incluindo em EXPO Chicago, MCA Chicago, Hyde Park Art Center, Johnson Museum of Art, Cornell University (Ithaca, NY), Smith College Museum of Art (Northampton, MA), Cambridge Art Association (Cambridge, MA), Paul Robeson Galleries, Rutgers University (NJ), e The Center for Book, Paper, and Print (Columbia College Chicago).

Seu trabalho está nas coleções permanentes do Dartmouth College, Occidental College, Savannah College of Art and Design, Smith College Museum of Art, St. Ambrose University e UC Santa Barbara.

Nascida no sul da Califórnia, Maggie Puckett atualmente vive e trabalha em Chicago. Diplomada como Bacharel em Artes Plásticas pela New York University e concluiu o Mestrado de Belas Artes em Arte Interdisciplinar pela Columbia College Chicago.

Para saber mais sobre Maggie: www.maggiepuckett.com / @maggiepuck

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