Laziza é a Festa que a Comida Libanesa Merece

Editora: Anita Goes
Palavras: Sylvia C.Jorge
Fotos: Jack Pompe & Justin Walker
Ilustração: Arthur Daraujo
Brooklyn, 2025

Em Bed-Stuy, Jilbert El-Zmetr está organizando um jantar para toda a diáspora libanesa.

Há algo em Laziza que parece ir além de um restaurante no momento em que se cruza a porta. Escondido em um trecho vibrante do Brooklyn, é um espaço onde drinks,
música e mezze se encontram sob luzes baixas e ao som de vinis antigos tocados em um setup analógico. Você pode ir pela carne de cordeiro meshweh ou pelo labneh batido com zaatar e chilli crisp, mas vai sair de lá falando das histórias — as histórias de Jilbert El-Zmetr, para ser exato.

Nascido na Austrália, filho de imigrantes libaneses, o percurso culinário de Jilbert é menos sobre receitas e mais sobre herança — de migração, de sabor, de curiosidade e, acima de tudo, de hospitalidade. Laziza (que significa “delícia” ou “coisa boa” em árabe) é sua carta de amor a essa herança e às gerações de cozinheiros, anfitriões e contadores de histórias libaneses que vieram antes dele.

“Comida, para mim, nunca é apenas sobre comer”, diz Jilbert em uma tarde de segunda-feira no Dumbo. “É sobre como aquele prato chegou até ali. O que fez esse prato ser o que é? Quem o carregou pelo oceano — e como ele mudou no caminho?”

Raízes no Cordeiro Assado e no Shawarma

Jilbert cresceu em Sydney, onde sua família se estabeleceu em meio a uma comunidade vibrante de imigrantes libaneses. Seu pai, um confeiteiro francês clássico formado em Beirute, acabou abrindo uma loja de peixe com batata frita — o primeiro negócio da família no novo país. “É isso que a gente faz”, diz Jilbert, dando de ombros. “Você cozinha o que as pessoas ao seu redor comem — e depois vai colocando seus próprios sabores nisso.”

Logo, o negócio se transformou em uma lanchonete de shawarma e falafel, onde o jovem Jilbert passava o tempo fazendo lição de casa nos fundos, observando o pai marinar carnes e a mãe embrulhar sanduíches. Ele lembra o caos como algo natural — o ritmo da família e da sobrevivência.

Mas foi só anos depois, após uma carreira em engenharia de software e uma década vivendo em Hong Kong e na China, que Jilbert sentiu o verdadeiro chamado pela comida. “Em Hong Kong, fiquei obcecado com a ideia do que é realmente a comida do Oriente Médio”, diz ele. “A culinária chinesa muda de região para região — e não falamos da comida levantina dessa forma, mas deveríamos.”

Booza e o Começo de uma Jornada

Em 2018, essa curiosidade se transformou na Republic of Booza, uma sorveteria no Brooklyn onde Jilbert reinventou o tradicional sorvete libanês elástico (booza) para o público nova-iorquino. Inspirado em uma sorveteria de Damasco onde viu o doce ser feito à mão, ele recriou a técnica, projetando e construindo sua própria máquina em Hong Kong para reproduzir o processo de bater e esticar que dá ao booza sua textura característica.

Antes de se tornar loja física em Williamsburg (bairro no Brooklyn), o projeto começou na Austrália, onde sua irmã cuidava da produção e venda para supermercados, enquanto Jilbert ajustava textura e sabor à distância.

“Eu não abri a loja para vender sorvete”, ele ri. “Abri para contar uma história.”

A Republic of Booza fechou em 2021, mas abriu o primeiro capítulo de uma narrativa que continua a crescer: a comida do Oriente Médio como migração, adaptação e memória.

“Tínhamos sabores inspirados em tudo — Brasil, África, China, até os clássicos americanos. Era sobre criar conexões”, diz ele. “Precisamos dessas histórias tanto quanto precisamos do sabor.”

Construindo o Laziza: mais que um Restaurante

Depois do Booza, houve uma pausa.

“Tive que me perguntar — o que eu amo? Não o que faz sentido, não o que é fácil.” Essa clareza levou ao Laziza, que começou como um pop-up de seis meses em uma cafeteria até encontrar seu espaço permanente. A proposta: um lugar que se sentisse como casa, centrado na hospitalidade libanesa, mas aberto à evolução.

O Laziza é parte restaurante, parte bar, parte casa de música — e totalmente coração. Jilbert o construiu com a ajuda do pai, que voou da Austrália para ajudar na obra — um momento de círculo completo que une gerações por meio da madeira, das especiarias e da música.

O cardápio é enraizado na tradição levantina — hummus cremoso, falafel crocante, cordeiro meshweh — mas vai além. “Não se trata de replicar o Líbano”, diz Jilbert. “É sobre traduzir seu espírito.” Isso pode significar rúcula no lugar de beldroega, ou frango frito coberto com queijo turco e sumac. Não há hambúrguer — e nunca haverá. “Seria contar a história errada.”

No que há, sim, é vida pulsando: DJs tocando global funk e disco do Oriente Médio nos fins de semana, colaborações com cafés vizinhos e planos para um pátio com festas e chefs convidados.
“Temos apenas oito meses de vida”, diz Jilbert, “mas já parece algo vivo.”

Uma viagem ao Brasil e uma lente mais ampla

Neste verão, Jilbert viajou ao Brasil — convidado pela Art Dialogues Magazine, uma plataforma dedicada a promover trocas culturais — para investigar mais a fundo a diáspora libanesa e como ela se desenvolveu em outro canto do mundo. O Brasil abriga a maior população libanesa fora do Líbano, algo que sempre o intrigou.

“Cresci com a ideia de que Austrália e Brasil eram as duas grandes diásporas”, diz.
“Mas o que encontrei no Brasil foi totalmente inesperado.”

Através de uma conexão com Diogo Bercito, um pesquisador brasileiro cujo doutorado se concentra na migração síria e libanesa e em sua influência culinária, Jilbert foi apresentado a donos de restaurantes e chefs em São Paulo. Foi assim que conheceu Leila, uma brasileira de quarta geração descendente de libaneses, que comanda o restaurante Arabia. “Ela é uma mulher incrível, fluente em árabe, português e inglês, que carrega toda essa história na sua cozinha.”

Houve também Samer e Mira, um jovem casal libanês que fugiu do colapso econômico de Beirute nos últimos anos. Ambos arquitetos de formação, abriram o Libaninho e o Lulu, com uma proposta fresca e moderna. “Os sabores deles eram os mais próximos do que conheço de casa”, diz Jilbert. “Mas a apresentação era nova. Foi empolgante.”

Ele percebeu como a comida libanesa se misturou ao DNA culinário brasileiro — esfihas nos aplicativos, quibes vendidos como comida de rua e o sanduíche “Beirute”,
que nem existe em Beirute. “Isso me fez pensar em como a comida muda, em como ela se transforma — e tudo
bem”, diz. “As histórias não precisam ficar fixas. Elas podem se mover.”

Talvez ele traga um pouco disso de volta ao Laziza, quem sabe em uma releitura de feijoada com sotaque do Oriente Médio.

“Por que não?”, ele sorri. “O porco sairia, mas a técnica, as camadas — dá pra brincar
com isso.”

Laziza: @funkylaziza

Jack Pompe: @jack.pompe

Justin Walker: @behindthedawn

Arthur Daraújo: @arthurdaraujo

Hospitalidade Libanesa como Bússola

Se há uma constante na trajetória de Jilbert, é o valor da hospitalidade. “Crescendo, tínhamos um cômodo em casa que era só para convidados”, ele lembra. “Crianças não podiam entrar. Era sagrado.”

Esse respeito se reflete no Laziza, onde a missão vai além da comida — é sobre como ela é compartilhada. “Estamos aqui para te receber. Essa é a essência da cultura libanesa”, diz. “Mesmo que você não conheça a culinária, vai reconhecer o sentimento — o de ser bem-vindo.” Essa filosofia permeia tudo: dos ingredientes à trilha sonora. “Dançar faz parte disso. Por que não dançar?”

O Laziza não é apenas um lugar para comer. É um lugar para pertencer. Ali, Jilbert não está apenas servindo comida — está construindo pontes. Entre
gerações, entre continentes, entre a memória do Líbano e a energia do Brooklyn. Cada prato, cada disco, cada copo é um convite: chegue mais perto, fique mais tempo e faça parte de algo maior que uma refeição.