Laura Gorski

Laura Gorski (São Paulo, SP, Brasil, 1982) é artista visual e educadora. Sua pesquisa envolve a investigação de paisagens por meio do deslocamento, a criação de imagens imersivas e contemplativas através do desenho, da pintura e sua relação com o corpo e o espaço. Formou-se em Design de produto pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

A floresta me atravessou e ainda atravessa. Ir para a floresta é como ir para um encontro amoroso. O encantamento pelo desconhecido magnético. A floresta é um abismo que te convoca. Você a quer. Ela te chama. São camadas e camadas de encantamento. São camadas e camadas de não saber. Ninguém sabe a floresta. Ela te acolhe pois ela é indomável. A floresta é a liberdade de ser. A floresta é a imensidão.
Ela é o buraco habitado. É o encontro amoroso consigo e com o outro, é um lugar onde não existe dominador e dominado. Não existe abuso de poder na floresta. Não existe hierarquia na floresta. Vida e morte são a vida e a morte em estado bruto. Tudo o que é faz parte do todo. Tudo o que deixa de ser faz parte do todo. É o grande pertencimento do mundo sendo uma semente, um micro-organismo, uma árvore centenária, uma onça. Tudo faz parte do todo. É tudo e pode ser nada no segundo seguinte e continua sendo parte do todo. Estar na floresta é entender, pelo corpo, que não existe fora. A floresta é o grande dentro circular. Tudo cabe. Tudo faz parte. Tudo pode existir. É incorporado à vida. A floresta é selvagem e generosa ao mesmo tempo. Como o corpo da mulher. A floresta é feminina. A floresta é casa. Nela tudo cabe. Ela acolhe.

  • A floresta
    A terra
    A folha
    A semente
    A árvore
    A água
    A montanha
    A lama
    A chuva
    A concha
    A planta
    A raiz
    A fruta
    A pedra
  •  

Em 2017 vivi, pela primeira vez, uma experiência de imersão na Floresta Amazônica através da residência LABVERDE. Foi um atravessamento profundo, sem volta. Foi um marco de mudança de vida. Mudança na relação comigo mesma, com as outras pessoas, mudança no trabalho e na percepção do entorno. A experiência na floresta foi de integração. De me ver dentro, fazendo parte de um todo muito maior onde tudo o que vive ali é incorporado. O círculo passou a ser parte dos meus desenhos como forma essencial. A paisagem tornou-se circular depois de sentir o corpo atravessado pela floresta e como parte dela. O círculo como forma que integra, como forma de origem e nascimento, como símbolo do tempo cíclico.

A relação com a paisagem através do desenho é um elemento central em meu trabalho. No início os trabalhos eram mais representativos da paisagem. Com o passar dos anos, os próprios elementos da paisagem se tornaram matéria do trabalho, tais como a terra, a água, as folhas, as flores, as sementes. Na floresta tive minhas primeiras experiências com tintas feitas com terra, que foram incorporadas e são, até
hoje, fundamentais na minha prática.

De uma relação de mais distanciamento com a paisagem, os desenhos passaram a trazer, com a presença dos elementos reais, um olhar mais de dentro, a partir de experiências de imersão que fizeram com que o próprio corpo também fizesse parte dos trabalhos.

Por ter morado a minha vida toda na cidade de São Paulo, mas ter sempre sentido a natureza como uma extensão de casa, como lugar de pertencimento e conexão, é recorrente que meus trabalhos tragam elementos da natureza como uma necessidade pessoal de encontrar possibilidades de pausa, silêncio e uma escuta interna mais profunda através da relação com a natureza. Esse entendimento fez com que, nos últimos anos, eu tenha tido diversas experiências de residências artísticas pela importância de deslocamento, de sair dos lugares conhecidos, mas também pela possibilidade de viver uma outra relação tempo-espaço em lugares onde a presença da natureza é mais forte e mais intensa do que a experiência urbana. Nesses últimos anos fiz residências na costa de Oaxaca – México, em Terra Una, na Serra da Mantiqueira – Brasil, na Ilha de Itaparica e na Chapada Diamantina, na Bahia – Brasil, na Floresta Amazônica – Brasil.

As caminhadas também são, para mim, momentos importantes. Aprendi o gosto pela caminhada quando criança, com o meu pai, era das coisas que ele mais gostava de fazer na vida. Caminhar é uma forma de viver a paisagem no compasso do passo. Observando, contemplando, vivendo um tempo particular que, muitas vezes, é um portal para o entendimento do próximo passo do próprio trabalho. Nessas caminhadas, eu faço coletas de fragmentos da paisagem que criam pontes com o que vai nascer no ateliê.

As coletas vão sendo organizadas como uma catalogação de diversos tipos de plantas, que eu desidrato, classifico e entram como parte dos trabalhos, e diversas cores de terra, que se transformam em tintas.

Quando minha filha, Flora, nasceu, eu não tinha tempo de ir ao ateliê. Estava dedicada aos cuidados com ela e com a maternidade. Durante os passeios de carrinho (as caminhadas daquele momento) eu ia colecionando folhas e flores da estação caídas no caminho, de modo que a minha prática de ateliê se mantivesse viva e com novos atravessamentos. Destas caminhadas nasceu a série “Flora”, na qual represento meu corpo gestante feito com terra e do qual brotam plantas e flores.

O corpo foi incorporado ao trabalho, o trabalho incorporado à vida e todas essas relações que os conectam são matéria viva para o que está por vir.

Laura participou de diversas exposições nacionais e internacionais e das residências artísticas Mirante Xique-Xique em Igatu, Chapada Diamantina, Brasil (2022); Sacatar, Itaparica, Bahia, Brasil (2020); Casa Wabi, no México (2019), Terra UNA, Serra da Mantiqueira, Brasil (2018), LABVERDE, Floresta Amazônica, Brasil (2017), ZKU, Berlim, Alemanha (2013), cidade na qual viveu durante um ano e Fundação Bienal de Cerveira (2012), em Portugal, onde integrou a 17a Bienal de Cerveira. É professora de artes na Escola Vera Cruz em São Paulo. Trabalhou na coordenação da Ação Educativa do Instituto Tomie Ohtake, integrou a equipe de coordenação dos ateliês da 29a Bienal Internacional de São Paulo e trabalhou na OSCIP Comunidade Educativa CEDAC com formação de professores em diversas regiões do Brasil como Maranhão, Espírito Santo, Pará e Minas Gerais.

Você pode adquirir mais informações sobre Laura aqui: @laurabgorski // lauragorski.com

Fotos: Anita Goes & Cortesia da artista

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