Oliver Basciano sobre Aaron Angell

O Troy Town Art Pottery encontra-se em uma viela do East London, entre uma horta comunitária e uma loja de tortas e purê; um local comum que contrasta com sua autoproclamada identidade de “oficina radical e psicodélica”. Ao passar pelo portão, à esquerda há um abrigo repleto de fileiras de vasos de terracota — fruto do programa para jovens do ateliê — e, adiante, uma estufa com diversas suculentas. O forno a gás fica escondido atrás de um muro na lateral, e no fundo está o estúdio de Aaron Angell, artista britânico e fundador do espaço.

Angell comenta sobre a alcunha “psicodélica”: “Achei graça na expressão. A piada mesmo é chamar isso de olaria radical: não dá pra ser radical dentro desse meio, porque é o material mais antigo da humanidade. Quase tudo já foi feito com ele.” Ainda assim, Angell é responsável por um renascimento do interesse pelo uso da cerâmica na arte contemporânea britânica, tanto por meio de seu trabalho quanto pelo programa de residências do Troy Town, que já acolheu nomes como Enrico David, Anthea Hamilton e Thiago Mestre, que passaram a incorporar argila em suas obras, muitos pela primeira vez sob sua orientação. Também é nesse espaço revestido de tijolos brancos, forrado de livros, ferramentas e experimentos anteriores, que Angell produz seu trabalho — mais recentemente para a exposição Not All On Show, na galeria Ilenia, próxima dali. Suas esculturas se apresentam como grandes massas fantásticas: construções orgânicas de argila que parecem turvas, com esmaltes cintilantes, seguindo uma linhagem de estranhamento “folklórico” inglês. Tray with Two Capped Heads traz dois bustos com traços élficos flanqueando uma bacia, toda esmaltada em verde brilhante, no estilo oribe — tradição da cerâmica japonesa. Caterpillar Engine 13 assemelha-se a uma massa de líquenes, conchas e outras evocações naturais em uma mistura florestal de marrons, amarelos e verdes.
Angell se orgulha de evitar esmaltes prontos e a lista técnica de materiais do segundo exemplo é extensa: “Shino Americàin, stoneware inglês reduzido com inclusões de ferro e feldspato, carbon trap shino e esmaltes policromáticos”, conforme o release da galeria. Ele explica: “Houve muita experimentação de esmaltes, especialmente nos primeiros dias com o forno elétrico, tentando criar uma verdadeira paleta policromática de cores.”

Aaron Angell, Not All On Show, 2025. Vista expositiva na Galeria Ilenia. Cortesia da Galeria.

“O objetivo passou a ser praticamente resgatar esmaltes clássicos — quase extintos. É como tentar trazer uma receita só a partir de uma foto ou algo assim. Estou pesquisando um esmalte branco quebrado há dois anos, originário de uma região específica do Japão, de uma família daquela região, e pouco avancei na fórmula. Estou traduzindo posts japoneses de 1997, junto suposições baseadas em esmaltes semelhantes.” Caso tenha sucesso, o plano é adicionar essa fórmula à “biblioteca de esmaltes” do Troy Town — um conjunto de medalhões cerâmicos expostos na parede da oficina. “Tenho que usar um endereço próximo ao Japão para pedir metade dos materiais e, basicamente, falsificar documentações de importação para trazê-los ao país.” Angell admite que é um interesse de nicho, mas é isso que eleva seu trabalho: um comprometimento com o ofício e sua longa história, sem seguir estritamente regras estéticas. “Se a gente desvendar a fórmula, ninguém vai se importar, menos eu. As únicas pessoas que vão se importar são as interessadas em cerâmica de chá — e eu não pretendo usar nela, então é uma obsessão pessoal total.”

Aaron Angell, Tray with Clouds (detail), 2025. Sang de boeuf Oribe, grés reduzido com inclusões de feldspato e areia de hagi, esmalte saturado de cobre, cinza de agulha de pinheiro, imersão em ácido após a queima, 33 x 54 x 39 cm. Cortesia da Galeria Ilenia.

Aaron gosta de trabalhar com limites prescritos, mas sempre busca ultrapassá-los — sejam eles regras de exportação do Japão ou de uso do forno. Ele observa que, quando faz uma escultura, esculpindo e moldando os motivos e formas manualmente antes de levá-la ao forno, é impossível prever o resultado: “É difícil controlar; surgem coisas estranhas. Você coloca no forno e algo acontece no escuro. Quando sai, pode ser bom ou ruim — frustrante de qualquer forma: se é ruim, irrita; se é bom, é enfurecedor, porque é muito difícil replicar.”

Aaron Angell, Caterpillar Engine 13, 2025. Shino Americàin, grés inglês reduzido com inclusões de ferro e feldspato, esmaltes shino com armadilha de carbono e policromáticos, 39 × 70 × 35 cm. Cortesia da Galeria Ilenia.

Na exposição da Ilenia, ele também apresenta meia dúzia de “pinturas de vidro”: são obras executadas no verso de uma chapa de vidro — ele deve pintar “ao avesso”, e o espectador acompanha do lado oposto, mas o artista não enxerga o trabalho enquanto está molhado. Em uma, Pig, tulip, pig, tulip, pig, tulip, três porcos desfilam diante de tulipas fora de escala, tudo sobre fundo de folha de ouro. Em Intarsia – shut, Angell pinta um biombo decorativo “em concertina”. O biombo reaparece em Intarsia – Whitefly, agora visto de lado, de forma que apenas um painel aparece, circundado por insetos com o mesmo nome. Essas obras resistem a rótulos, mas flertam com variadas culturas vernaculares, sugerindo narrativas ou melodramas que, como boas histórias, deixam seus assuntos quase sem resolução. Angell também é um colecionador obsessivo de discos, com um programa mensal na NTS em que toca raridades em vinil que descobre. Esse hobby é refletido em seu trabalho: “Sempre gostei da referência pseudo-literária das letras. Em certas músicas de certas épocas, elas ficam entre a poesia e uma referência literária. Essa forma de descrever por meio de canção tem uma capacidade de interpretação… algo.”

Aaron Angell, Pig, tulip, pig, tulip, pig, tulip, 2025. Hinterglasmalerei (pintura em vidro reversa), acrílica e metal precioso sobre vidro,
ferragens em aço escurecido, 50 × 30 cm. Cortesia da Galeria Ilenia.
Aaron Angell, Intarsia – shut, 2025. Hinterglasmalerei (pintura reversa sobre vidro), acrílica e metal precioso sobre vidro, 
ferragens em aço escurecido, 45 × 60 cm. Cortesia da Galeria Ilenia.

“Tirar imagens e referências da música parece menos sério do que recorrer à literatura. Dá para brincar mais com isso: já foi interpretado por meio da canção; já tem um sentido de ornamento e cor nas palavras que você pode explorar.”

Aaron Angell, Bamboo Organ Painting, 2025. Hinterglasmalerei (pintura reversa sobre vidro), acrílica sobre vidro com impressão em gelatina de prata,
ferragens em aço, 50 × 70 cm. Cortesia da Galeria Ilenia.

Como não há toca-discos no ateliê, dizem que são as mixtapes do NTS online de outras pessoas que tocam no som do local — seja ele mesmo, artistas em residência, os jovens do projeto de cerâmica-jardim ou os criadores da cerâmica yakimono que financia o programa (vasos, pratos, canecas e bules). “Se estamos realmente ocupados, costuma rolar oito horas de dub reggae — é um ritmo ótimo. Você mantém o mesmo BPM o dia todo; é quase hipnótico.” O estúdio cresceu tanto que parece estar sempre cheio, um verdadeiro formigueiro com gente entrando o tempo todo. Angell brinca que ter uma exposição na galeria é ótimo, mas, de certa forma, dispensável: “Minha vida é meio que um estúdio aberto permanente.”

Troy Town Art Pottery, Londres. Cortesia do artista.

Iara Pimenta is an independent curator and writer interested in the intersections of art and architecture. Her projects look at the relationships between history and transformations in the built environment and how artworks propose new perspectives on collective memories and imaginaries. She has researched and written about exhibitions, institutions, and the work of artists and architects, especially from the Americas. She holds a master’s degree in Critical and Curatorial Practices from Columbia University and a professional degree in Architecture from the University of São Paulo. She has years of experience elaborating and planning exhibitions and public programs while collaborating with organizations and art galleries in São Paulo (Brazil) and New York. Her projects have been presented at the 3rd Istanbul Design Biennial (Turkey), Residency Unlimited (New York), Kunstraum (New York), Columbia University (New York), and Book Culture LIC (New York), among others.

Para saber mais sobre Oliver Basciano: @olibasciano

Aaron Angell: @aaron.angell

www.troytown.org.uk

Hero image: Aaron Angell, Flower Basket 3, 2025. Reduced English stoneware with iron and feldspathic inclusions, carbon trap shino and polychrome glazes, 12 5/8 x 16 1/8 x 14 5/8 inches. Courtesy of  Ilenia Gallery.

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